domingo, 22 de março de 2020

isolamento


Era mais uma vez dia. Acordei ao som dos miados da gata, deve ter fome, pensei. Eu mesmo estava cheio de fome, mas o torpor dos lençóis, não me deixava levantar da cama. Deixei-me ficar a ouvir as vizinhas a conversar na rua. Anda tudo preocupado com esta doença que por aí anda. Acabei por levantar as persianas e deixar entrar o sol. Abri a porta do quarto e elas saltaram logo para cima da cama a miar. Bom dia meninas, disse eu, estão cheias de saudades ou cheias de fome, suas interesseiras!
Deixei-me ficar. Elas foram-se pôr no retângulo de luz que entrava pela janela, a lamberem-se, no seu banho matinal. Eu agarrei-me a outro retângulo, aquele que me permite espreitar a vida dos outros, ou antes a vida que os outros querem mostrar, um teatro com cenários belos, mas falsos, com personagens ocas, com tragedias escondidas. Mas fi-lo na mesma, como todas as manhas, tardes, noites.
Estava a tornar-se difícil enfrentar este confinamento. Estamos todos no mesmo barco, na verdade era um pensamento mentiroso. Cada um está no seu pequeno barco e vamos em flotilha a caminho de um destino que cada vez parece mais longe e inatingível.

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